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quinta-feira, 17 de setembro de 2015

DIREITO À MEMÓRIA










MÁRIO ALVES DE SOUZA VIEIRA (1923-1970)
Número do processo: 091/96
Filiação: Julieta Alves de Souza Vieira e Romualdo Leal Vieira
Data e local de nascimento: 14/06/1923, Sento Sé (BA)
Organização política ou atividade: PCBR

Data e local da morte: 17/01/1970 no Rio de Janeiro
Data da publicação no DOU: Lei nº 9.140/95 – 04/12/95

Jornalista, fundador e principal dirigente do PCBR, foi morto em 17/01/70, no Rio de Janeiro, aos 46 anos, sob brutais torturas. Seu nome integra a lista de desaparecidos anexa à Lei nº 9.140/95 . Baiano de Sento Sé, fez o curso secundário em Salvador, iniciou sua militância política aos 16 anos e foi um dos fundadores da União dos Estudantes da Bahia. Durante o Estado Novo, participou de congressos e atividades da UNE. Formou-se em Letras, em Salvador, mas nunca chegou a buscar o diploma. Ingressou no PCB e, em 1945, passou a integrar seu Comitê Estadual na Bahia, sendo eleito em 1957 para o Comitê Central. Nos anos seguintes, atuaria como dirigente comunista no Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. Dirigiu os jornais Novos Rumos e Imprensa Popular. Após abril de 1964, tornou-se um dos líderes da corrente de esquerda dentro do PCB. Atuando nas difíceis condições de clandestinidade foi preso, em julho de 1964, no Rio de Janeiro, sendo libertado somente um ano depois por concessão de habeas-corpus. Em 1966, teve os direitos políticos cassados por 10 anos. Em 1968, ao lado de Apolônio de Carvalho e outros membros dissidentes da direção do PCB, fundou o PCBR. Em 16 de janeiro de 1970, perto das 20:00 horas, saiu de sua casa, no subúrbio carioca de Abolição, e nunca mais voltou. Foi preso pelo DOI-CODI/RJ nessa data e morreu no dia seguinte nas dependências do quartel da rua Barão de Mesquita. As ilegalidades que cercaram a prisão e assassinato do jornalista começaram a ser levadas ao conhecimento das autoridades judiciárias do regime militar em 20/07/1970, denunciadas por presos políticos. Entretanto, o crime nunca foi apurado. Em depoimento à 2ª Auditoria do Exército, no Rio de Janeiro, em 20/07/1970, Salatiel Teixeira Rolins, que seria morto por seus próprios companheiros após ser solto, “afirma que pertencia ao PCBR, tendo presenciado o espancamento e tomou conhecimento da prisão do jornalista Mário Alves no dia 16/01/1970, que faleceu em vista de brutal espancamento que recebera e pela introdução em seu ânus de um pedaço de vassoura”.


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René Louis Laugery de Carvalho, também em depoimento na mesma auditoria militar, em 20/07/1970 afirmou “que tomou conhecimento, durante os 26 dias que permaneceu naquela unidade (...) da morte de Mário Alves, em conseqüência de hemorragia
interna, decorrente de torturas”.

Carta endereçada ao então presidente da OAB, Eduardo Seabra Fagundes, em 15/07/1980, pelo advogado Raimundo José Barros Teixeira Mendes, denuncia que, no dia 16/01/1970, por volta de 20h, Mário Alves chegou preso ao local onde ele também estava detido, o quartel da Policia do Exército, na rua Barão de Mesquita, na Tijuca, tendo ouvido todo o interrogatório, que se estendeu até cerca de 4 horas da manhã. Declarou ainda que viu Mário Alves pendurado no pau-de-arara e ser carregado da cela já quase sem vida. Sua esposa, Dilma Borges Vieira, foi uma das precursoras do movimento dos familiares de mortos e desaparecidos. Esteve em todos os possíveis lugares onde pudesse buscar notícias e denunciar o desaparecimento do marido - na Marinha, Aeronáutica, IML, cemitérios. O então comandante do DOI-CODI/RJ chegou a dizer-lhe que também ele buscava Mário Alves.

A carta que escreveu em 29/09/1970 a Aparecida Gomide, esposa do cônsul brasileiro seqüestrado no Uruguai pelo movimento guerrilheiro Tupamaros, compõe um dramático retrato da época: “Todos conhecem seu sofrimento, sua angústia. A imprensa falada e escrita focaliza diariamente o seu drama. Mas do meu sofrimento, da minha angústia, ninguém fala. Choro sozinha. Não tenho os seus recursos para me fazer ouvir, para dizer também que ‘tenho o coração partido’, que quero meu marido de volta. O seu marido está vivo, bem tratado, vai voltar. O meu foi trucidado, morto sob tortura, pelo 1° Exército, foi executado sem processo, sem julgamento. Reclamo seu corpo. Nem a Comissão de Direitos da Pessoa Humana me atendeu.

Não sei o que fizeram dele, onde o jogaram. Em A Ditadura Escancarada, Elio Gaspari narra da seguinte forma as condições da morte de Mário Alves: “No fundo do corredor havia cinco pequenas celas, cada uma com um colchão de palha no chão, um buraco sanitário no fundo e uma janela gradeada perto do teto. Nelas ficavam os presos que a qualquer momento poderiam ser levados para a Sala Roxa. Não porque houvesse tanta pressa em trazê-los, mas para que ouvissem o que acontecia ao lado. Numa dessas masmorras estava Antônio Carlos de Carvalho. Noutra, Raimundo Teixeira Mendes. Eles ouviram: - ‘Teu nome completo é Mário Alves de Souza Vieira?’

- ‘ Vocês já sabem’.
- ‘Você é o secretário-geral do comitê central do PCBR?’
- ‘Vocês já sabem’.
- ‘Será que você vai dar uma de herói?’

Mário Alves ficou oito horas na Sala Roxa. No início da manhã seguinte o cabo da guarda chamou quatro prisioneiros para limpá-la. Num canto, havia um homem ferido. Sangrava pelo nariz e pela boca. Tinha sido empalado com um cassetete. Dois outros presos, militantes do PCBR, reconheceram-no, deram-lhe de beber e limparam-lhe o rosto”.


No livro Combate nas Trevas, Jacob Gorender, também dirigente do PCBR e preso quatro dias depois, acrescenta detalhes sobre as torturas: “Horas de espancamentos com cassetetes de borracha, pau-de-arara, choques elétricos, afogamentos. Mário recusou dar a mínima informação e, naquela vivência da agonia, ainda extravasou o temperamento através de respostas desafiadoras e sarcásticas. Impotentes para quebrar a vontade de um homem de físico débil, os algozes o empalaram usando um cassetete de madeira com estrias de aço. A perfuração dos intestinos e, provavelmente, da úlcera duodenal, que suportava há anos, deve ter provocado hemorragia interna”.

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